A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS (PNPIC), criada há 17 anos, e o diálogo do sistema de saúde brasileiro com os saberes tradicionais, como os de povos indígenas, passam a ser acompanhados a partir de agora, de forma mais articulada, pelo Congresso Nacional. Foi lançada na semana passada a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Saberes Tradicionais e das Pics, com formação liderada pelas deputadas Ana Paula Lima (PT-SC) e Érika Kokay (PT-DF), apoiada por cientistas, trabalhadores, gestores e usuários do SUS.
“Entre os desafios previstos, posso destacar a necessidade do fortalecimento das Pics como política de estado. Também iremos priorizar os debates para a ampliação das práticas integrativas na rede pública e discutir a destinação de orçamento adequado para seu financiamento. São itens de extrema importância neste momento inicial dos nossos trabalhos”, afirmou a deputada Ana Paula Lima.
Segundo a parlamentar, o requerimento para a abertura da frente foi assinado inicialmente por 188 deputados (as) federais e 12 senadores (as). E o grupo atuará de forma coordenada e articulada com as Comissões Temáticas do Congresso Nacional, “visando o intercâmbio de conhecimentos, experiências e estratégias para o cumprimento eficaz de sua finalidade”. A cerimônia de lançamento da frente foi transmitida on-line no último dia 20 de setembro e pode ser conferida no Portal da Câmara dos Deputados.
O coordenador da Comissão Nacional de Pics no Conselho Nacional de Saúde (CNS), Abrahão Nunes da Silva, participou do lançamento da frente e destacou a necessidade de ampliar a oferta e orçamento das práticas integrativas no SUS, para que cheguem a todos os usuários. “O que mais me emociona quando falo das Pics é a alegria, a satisfação daquelas pessoas mais simples, que moram em ocupações urbanas e rurais, quando recebem um tratamento desse. Muitas pessoas não tinham a noção de que o SUS poderia oferecer essas práticas aos mais pobres. Hoje, infelizmente, a maioria da população que precisa, não tem acesso”, disse, conforme notícia publicada no site do Conselho Nacional de Saúde.
CUIDADOS AMPLIADOS E INTEGRADOS À BIOMEDICINA
A matéria publicada pelo CNS destaca também o pronunciamento da deputada Erika Kokay. Segundo ela, a inclusão das Pics no SUS não têm por objetivo negar ou substituir os métodos biomédicos. “Não estamos negando a ciência e sim defendendo a promoção do olhar que enxerga a inteireza das pessoas, a complexidade existencial, a ciranda da vida”. A proposta é ampliar os cuidados para além da medicalização e como apoio às intervenções clínicas, esclareceu.
O ObservaPICS, que acompanha a implantação das práticas no SUS, produz e compartilha informações acerca de evidências práticas e científicas em torno das Pics, apoia a criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Saberes Tradicionais e das Pics.
DEMANDA SOCIAL DESDE A CRIAÇÃO DO SUS
Daniel Amado, representante da Diretoria de Gestão do Cuidado Integral do Ministério da Saúde, destacou, na cerimônia na Câmara dos Deputados, a importância do debate público em torno do tema e lembrou que as Pics são demanda histórica, desde a 8ª Conferência Nacional de Saúde (realizada em 1986), quando foram traçados os princípios do SUS. “Na 17ª Conferência Nacional de Saúde, ocorrida este ano (2023), também se demandou o fortalecimento das práticas integrativas. Além de demanda popular, as práticas integrativas em saúde são uma diretriz da Organização Mundial da Saúde (OMS), que reuniu uma cúpula mundial este ano para discutir o cuidado integral da população”, destacou.
O representante da Opas/OMS Julio Pedroza, coordenador de Sistemas e Serviços de Saúde, também participou da cerimônia. Falou da honra em participar do lançamento da iniciativa do parlamento. “O Brasil possui uma política nacional de Pics que é referência para as Américas e o mundo todo, estabelecida a partir de demandas sociais recorrentes e que contribui para efetivação de um cuidado baseado na promoção da saúde e na dimensão social dos povos”. De acordo com o representante da Opas/OMS, o Brasil está na vanguarda da implantação de estratégias da OMS voltadas às medicinas tradicionais, complementares e integrativas em saúde, conhecidas internacionalmente pela sigla MTCI.
“Sabemos que há desafios no Brasil e nas Américas, precisamos organizar as evidências científicas e construir metodologias mais sensíveis para a captura de elementos que vão além dos paradigmas biomédicos”, acrescentou. Ele destacou a importância da formação e inclusão do tema nos cursos de saúde e do espaço estratégico aberto pela frente parlamentar para que se possa criar em breve, no país, um centro de referência em MTCI para as Américas, como já existe na Índia. “Podem contar com o nosso compromisso para aperfeiçoar a rede de medicinas tradicionais, integrativas e complementares das Américas”, afirmou. Segundo Julio Pedroza, são monitorados os objetivos da OMS para as medicinas de povos tradicionais e Pics e a organização mapeia, com a colaboração do ObservaPics da Fiocruz, as MTCI no Continente, para o fortalecimento dessa política.
ESTRUTURA E ORÇAMENTO PÚBLICO
Para a Rede de Atores Sociais em Pics (RedePICS Brasil), a criação da frente tem um significado amplo: “A criação da Frente Parlamentar tem o objetivo de fortalecer a PNPIC, bem como o de respeitar os saberes tradicionais dos povos ancestrais. Importante que a saúde pública brasileira invista em mais ações de promoção de justiça social e bem-estar a toda a população, com foco no indivíduo e respeito a suas diversidades. A atuação da Câmara Federal e do Senado, criando uma frente com escuta da sociedade, principalmente dos atores do campo dos saberes tradicionais e das Pics, é fundamental para aprimorar leis e orientar o governo executivo para a mudança de seu organograma, contemplando, por exemplo, uma coordenação para as práticas integrativas no Ministério da Saúde, além da adequação de orçamentos públicos no território nacional”, avalia Karen Berenice Denez, da RedePICS.
No Brasil, são 29 práticas e terapias reconhecidas pelo SUS, que incluem modalidades da medicina tradicional chinesa, como acupuntura e automassagem, da antroposofia, reiki, homeopatia, aromaterapia, meditação, uso de plantas medicinais e a Terapia Comunitária Integrativa (TCI), originada no Ceará. As Pics estão institucionalizadas no SUS desde 2006, com a publicação da Portaria GM/MS nº 971/2006, que criou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), inseridas na Atenção Básica e demais níveis do sistema de saúde. A política foi ampliada com as Portarias GM/MS nº 849/2017 e nº 702/2018.