A formação em Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) é iniciativa em cursos de enfermagem de universidades públicas brasileiras. Inspirado na pesquisa nacional que propõe traçar um perfil da formação e exercício profissional de enfermeiros no campo de cuidados integrativos, o ObservaPICS ouviu o relato de experiências na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde um grupo de professores coordena o referido inquérito no país, e na Universidade de Pernambuco (UPE), no Recife (foto acima). Nos dois casos as experiências se desenvolvem há mais de uma década, atreladas a disciplinas e projetos de extensão distintos.

Daniela Dallegrave (foto abaixo/Divulgação), professora da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), informa que lá são oferecidas três disciplinas com conteúdo abordando práticas integrativas em saúde, uma integralmente sobre essa forma de cuidado, a ENF 03066 – PICS, opcional.

Professora Daniela Dallegrave, da UFRGS

Professora Daniela Dallegrave, da UFRGS

Além da formação específica, a ENF 03066 – PICS desenvolve interfaces com disciplinas de outros cursos, vinculando-se a movimentos de ensino, da pesquisa e da extensão, completa o professor Dilmar Paixão, também da UFRGS. O formato atual do plano de ensino aborda as práticas e a realidade nas comunidades. Dessa forma, os objetivos são possibilitar aos alunos conhecer cuidados tradicionais e populares, estudos científicos sobre as terapias e o que é disponibilizado no SUS. Além disso, pretende-se sensibilizar acerca da inclusão das PICS, compreender a aproximação e integração entre o saber técnico e científico e a sabedoria popular regional. Também durante as aulas são estudadas a política e legislações nacional, estadual e municipal.

Uma outra matéria, obrigatória no currículo da graduação em enfermagem, “Cuidado de enfermagem em saúde coletiva III”, também reserva espaço para os cuidados complementares (fotos abaixo/Divulgação). As aulas que abordam as PICS são ministradas por professores da universidade que têm formação nas terapias. O programa é desenvolvido em espaços da instituição, como num horto onde se trabalha com o uso de plantas medicinais, ou no acompanhamento da atenção à comunidade, com auriculoterapia, aromaterapia e outras modalidades, incluindo um ambulatório de projeto de extensão para pessoas trans. De acordo com Daniela Dallegrave, os estudantes de enfermagem também vivenciam atividades de profissionais de saúde na rede municipal e no Hospital Divina Providência de Porto Alegre, onde as PICS estão inseridas.

Alunas da UFRGS em atividade acadêmica sobre PICS (Divulgação)

Alunas da UFRGS em atividade acadêmica sobre PICS (Divulgação)

Alunas da UFRGS em atividade acadêmica sobre PICS (Divulgação)

Alunas da UFRGS em atividade acadêmica sobre PICS (Divulgação)

PICS na UFRGS (Divulgação)

PICS na UFRGS (Divulgação)

 

 

 

A terceira disciplina, “Arte, saúde e educação”, também é opcional e destinada a alunos de qualquer curso da instituição de ensino superior. Tem atraído estudantes de pedagogia, psicologia e artes visuais. É feita uma discussão ampliada e acompanhamento prático a mulheres de um assentamento rural da região durante as aulas.

HISTÓRICO NA UFRGS

“A ideia de um conteúdo no formato curricular de disciplina surgiu na Escola de Enfermagem da UFRGS antes da promulgação do Programa Nacional das PICS. Uma área em específico do Departamento de Assistência e Orientação Profissional (DAOP), a partir de maio de 1996, começou a intensificar pontos de contato do ensino universitário com a comunidade, numa dupla via de ação docente-assistencial e de interatividade”, relata o professor Dilmar Paixão, que divide com Daniela a coordenação da disciplina ENF 03066 – PICS.

Segundo ele, as disciplinas abordando enfermagem na saúde pública e enfermagem comunitária foram cedendo espaços generosos para demandas do campo da saúde coletiva. Em 2013, contava-se com as disciplinas “Enfermagem na saúde coletiva I, II e III e Práticas Integrativas e Complementares em Saúde-PICS”.

Paixão explica que “a expertise de professores facilitou o dinamismo de iniciativas como essa disciplina das PICS, antes mesmo do programa nacional. A proposta inicial encaminhada pela professora Gema do Conte Piccinini ofereceu 15 a 20 vagas para a graduação em enfermagem”, conta. Ele assumiu a responsabilidade de coordenar e intensificar a disciplina em novos moldes, mais ampliados, quando a colega Gema se aposentou. “Foram abertas 30 vagas e com aceitação de graduandos de todos os cursos da universidade. A lógica do estudo ficou distribuída em cinco encontros didáticos”, informa.

O professor acrescenta que, por ser uma disciplina aberta a outros cursos da grade curricular da UFRGS, “trouxe para a sala de aula e encontros didáticos discentes dos demais cursos da área da saúde, além da enfermagem, e de outros campos do saber, como da música, letras, direito, educação física, medicina, odontologia, fisioterapia, nutrição, fonoaudiologia, veterinária, engenharia de alimentos, engenharia civil, engenharia de automação, comunicação social, pedagogia, ciência da computação e saúde coletiva, dentre outros”. A esse universo de alunos foram se somando servidores voluntariamente e estudantes de especialização, mestrado e doutorado.

NA UNVESIDADE DE PERNAMBUCO

Na Faculdade de Enfermagem Nossa Senhora das Graças (Fensg), na UPE, mantida pelo estado, “a inserção dos conteúdos referentes à formação em práticas integrativas teve início no ano de 2012”, relata a professora Alexsandra Xavier do Nascimento. A inclusão do tema se deu no módulo de saúde da mulher, sob a coordenação da pesquisadora. Naquela ocasião, explica Alexsandra, foram destinadas 20 horas para a temática, distribuídas em cinco aulas teórico-práticas. “As aulas versavam sobre as bases filosóficas e científicas das PICS, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PNPIC), Medicina Tradicional Chinesa (MTC), antroposofia na saúde e abordagem integrativa na saúde da mulher, detalha.

Professora Alexsandra Nascimento e alunos na Faculdade de Enfermagem da UPE, no Recife (Divulgação)

Professora Alexsandra Nascimento e alunos na Faculdade de Enfermagem da UPE, no Recife (Divulgação)

Cinco anos depois, na mesma escola, foi iniciada a monitoria Práticas Integrativas do cuidar, até hoje permanecendo e funcionando como principal apoio para a difusão das PICS. Em 2018 a faculdade de enfermagem promoveu curso de auriculoterapia, destinado também a alunos de outros cursos da universidade estadual. “No mesmo ano, organizamos o 1º Encontro de Quântica e Práticas Integrativas da UPE, um evento aberto a toda a sociedade. Na época, a universidade colaborou com a Prefeitura do Recife na formação em PICS dos profissionais de saúde da rede básica de saúde”, completa Alexsandra Nascimento. A parceria com o gestor local do SUS se deu por meio do projeto de extensão Salutar: Ampliação dos Pontos de Cuidados Integrativos. De acordo com a professora, 11 cursos capacitaram trabalhadores de unidades básicas da rede municipal e estudantes da UPE.

SERVIÇO PARA TRABALHADORES

Em 2019, outras iniciativas foram adotadas pela Fensg/UPE: na Semana Nacional de PICS, monitores organizaram uma oficina de vivências para professores e alunos, “fortalecendo o movimento nacional para difusão e ampliação das práticas integrativas”, cita Alexsandra. Ainda nesse ano, nas aulas práticas, “muitos recursos terapêuticos passaram a ser incluídos na assistência à mulher no pré-parto” e, “dessa vivência, começaram a surgir relatos de experiência, com maior aceitação das terapias integrativas nesse contexto assistencial”, refere a professora.

A UPE passou a integrar o Consórcio Acadêmico de Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIn) e iniciou o Ambulatório de Cuidados Integrativos, voltado a servidores da universidade. O serviço foi instalado no Centro de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), que engloba a maternidade-escola da instituição. “Nesse cenário de assistência e prática, os alunos desenvolveram suas habilidades recém adquiridas nos cursos”, diz Alexsandra Nascimento.

Com a pandemia de Covid-19 chegando a Pernambuco em 2020, foi necessária uma pausa nas atividades presenciais. “As aulas on-line não conseguiam provocar ressonância nos alunos. Sem o peso da vivência seria difícil romper com a lógica e a experiência fundamentada na biomedicina. Dessa forma, sem tocar a alma não foi possível construir novos sentidos, atualizar concepções em saúde e muito menos fortalecer o impulso volitivo dos alunos”.
Em 2022, com o declínio da Covid-19, algumas atividades de ensino e pesquisa foram iniciadas no Núcleo de Estudos de Terapias Integradas (Neti) do Hospital Militar do Exército no Recife. Dessa parceria entre a Fensg/UPE e o núcleo, surgiram trabalhos de conclusão de curso, outros de iniciação científica, dissertação de mestrado e duas tese de doutorado. “Espera-se que 2023 seja um ano de crescimento e fortalecimento da monitoria e das pesquisas e da extensão”, torce Alexsandra Nascimento.

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