Embora instituída no SUS desde 2010, a Farmácia Viva ainda ocupa lugar marginal no sistema. A conclusão é da  farmacêutica e doutora em saúde coletiva Renata Cavalcanti Carnevale, que levantou dificuldades apontadas por coordenadores de Farmácias Vivas e identificadas por ela como fronteiras epistemológicas, sociais, cognitivas, organizacionais, profissionais e de autoridade. A pesquisa, de doutorado, foi realizada sob a orientação do professor Nelson Filice de Barros, do Laboratório de Práticas Alternativas, Complementares e Integrativas em Saúde (Lapacis) da Universidade de Campinas (Unicamp), em São Paulo.

“A marginalização é parte da construção social que mantém a hegemonia da ciência e da biomedicina. Precisa ser tensionada com base no respeito à diversidade e ecologia de saberes”, concluiu a autora.

A partir de entrevistas com coordenadores de nove Farmácias Vivas de diferentes locais do Brasil, realizadas entre 2015 e 2017, Renata detectou fronteiras epistemológicas estabelecendo maior credibilidade ao conhecimento científico de plantas medicinais e associando o saber popular e tradicional sobre plantas medicinais como algo ultrapassado e de menor valor que o científico. Ela também verificou fronteiras sociais atribuindo maior reconhecimento aos profissionais biomédicos, atreladas ao preconceito e à desvalorização sofridos por outras pessoas que trabalham com plantas, incluindo raizeiros e curandeiros: “Eles são vistos como inferiores, por trabalharem com algo de menor valor que o medicamento”.

Restrições de ato e de autoridade

As fronteiras cognitivas, que estabelecem o privilégio da comprovação da eficácia do tratamento apenas por meio da ciência, também foram identificadas. A pesquisa apontou, por outro lado, o relaxamento das fronteiras organizacionais, “que permitiu a entrada da plantas medicinais em instituições de saúde,  a manutenção das fronteiras profissionais que impõem restrições ao uso de plantas medicinais, delimitando a sua prescrição ao médico, e  das fronteiras de autoridade, responsáveis  pela produção de  dificuldades políticas e financeiras ao projeto das Farmácias Vivas, como baixo financiamento e falta de incentivo.

O trabalho de Renata discute o papel da plantas medicinais como objeto de fronteira, possibilitando o diálogo entre os conhecimentos populares, tradicionais, místicos-energéticos e científicos. E identifica os coordenadores das Farmácias Vivas como trabalhadores que cruzam essas fronteiras, desenvolvendo processo de aprendizado e transformação pelas suas experiências. “Tenho observado um grande interesse da população e de parte dos profissionais. Muito pode ser feito para resgatar a importância das plantas medicinais, valorizar os conhecimentos populares e tradicionais e promover o uso seguro dessas plantas e fitoterápicos, num cuidado menos medicalizante”, afirma Renata.

Experiência exitosa

Para contribuir com o resgate e promoção dos diversos saberes de plantas medicinais, o Lapacis montou o Grupo de Plantas Medicinais e Fitoterapia e a Liga Acadêmica de Plantas Medicinais e Fitoterapia. O grupo (foto/divulgação Lapacis) tem assessorado 18 unidades básicas de saúde (UBS) em Campinas. A iniciativa recebeu o prêmio de Melhor Experiência Exitosa do SUS (Sudeste) durante a 16ª Mostra Brasil: Aqui tem SUS 2019, realizada em Brasília, no mês de julho de 2019, durante o Congresso do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e também conquistou Menção Honrosa em março do mesmo ano, durante o Congresso dos Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems-SP). A Liga realiza palestras semanais sobre plantas medicinais, abertas à comunidade interna e externa à UNICAMP e tem atraído um grande número de pessoas interessadas no tema.

Na UFPR, grupo de pesquisa sobre carboidratos estuda plantas desde 1965

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