Parceria do Observatório com Fonsanpotma estuda medicina tradicional africana no Brasil
Em parceria com o Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (Fonsanpotma), o ObservaPICS está iniciando o projeto Medicina Tradicional Africana pela Saúde Coletiva e a Soberania dos Povos Tradicionais de Matriz Africana: uma atividade de imersão no território tradicional. A proposta é documentar as práticas de cuidado em saúde nos territórios reconhecidos pelo fórum como espaços guardiões de saberes africanos. Elementos culturais da comunidade, sistema alimentar e formas de promover saúde são considerados.
“É um projeto que reterritorializa essa medicina tradicional africana que sempre foi aplicada, praticada por esses povos nas diásporas. A parceria com uma organização nacional de importância como a Fiocruz e a busca de conhecimento da nossa medicina tradicional pela Organização Mundial da Saúde (OMS) são fundamentais para uma reparação aos povos que foram sequestrados e escravizados”, afirma a médica e professora Regina Barros Goulart Nogueira, que se identifica como Kota Molanji, uma das coordenadoras de ancestralidade do Fonsanpotma e articuladora no trabalho conjunto com o ObservaPICS. O fórum identificou comunidades tradicionais em 40 municípios brasileiros de 14 unidades da federação.
O colaborador do ObservaPICS Rafael Dall Alba, doutor em saúde coletiva, explica que os Povos Tradicionais de Matriz Africana (Potma) se reconhecem como resistência no Brasil. Segundo ele, “os coletivos são formados por brasileiros que se caracterizam pela manutenção de um contínuo civilizatório africano, constituindo territórios próprios marcados pela vivência comunitária, pelo acolhimento e pela prestação de serviços sociais e de atenção à saúde”.
O pesquisador destaca que a parceria, estabelecida entre o fórum, que é um dos representantes dessas comunidades, e o Observatório da Fiocruz, promove as Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI), alinhando-se à estratégia da OMS. “São cruciais incluir e respeitar as tecnologias de cuidado dos povos tradicionais de matriz africana, reconhecendo seu valor inestimável e contribuindo para um sistema de saúde mais inclusivo e equitativo no Brasil,” justifica Dall Alba.
De acordo com Kota Molanji, os povos tradicionais de matriz africana vinculados ao fórum comungam, em comunidade, valores africanos de matrizes bantos (bantus), jejes e iorubás (yorubas), preservando saberes ancestrais dos que foram escravizados no período colonial. “São pessoas que estão unificadas por uma língua, uma língua própria, por sistema alimentar próprio, que entendem a natureza como divindade, que têm respeito incondicional aos mais velhos, compromisso com o mais novo”, detalha. No projeto em desenvolvimento com o ObservaPICS, de identificação e reterritorialização dos cuidados em saúde nas comunidades sociais africanas, Kota espera a adoção de uma metodologia de respeito, “que considere os saberes em igualdade, identificando práticas locais, regionais e nacionais”. Em sua página, na internet, o Fonsanpotma expõe informações sobre sua forma de atuação em defesa de políticas públicas.
OBSERVATÓRIO – “Com esse projeto, queremos promover a saúde coletiva e a soberania dos povos tradicionais de matriz africana por meio da identificação, documentação e disseminação das tecnologias de cuidado nas práticas de cura, promoção e prevenção de saúde das medicinas tradicionais africanas”, explica Islândia Carvalho, coordenadora do ObservaPICS/Fiocruz e pesquisadora da Fiocruz Pernambuco. Segundo ela, a proposta em desenvolvimento com o fórum deve fortalecer a valorização de saberes ancestrais e, ao mesmo tempo, estabelecer parcerias colaborativas entre povos tradicionais de matriz africana no Brasil e na África.
Desde sua criação, em 2018, o ObservaPICS tem por foco as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (Pics) e os saberes tradicionais em articulação com o SUS, mas até então centrados na experiência de povos indígenas. “Esse olhar agora ampliado, para as comunidades autodeclaradas da tradição africana, que vivem em territórios próprios e compartilham modos de vida, é mais uma etapa do trabalho do Observatório da Fiocruz”, completa. O projeto está sendo financiado por meio de emenda parlamentar.
PREPARATÓRIA – Previamente, o projeto Medicina Tradicional Africana pela Saúde Coletiva e a Soberania dos Povos Tradicionais de Matriz Africana: uma atividade de imersão no território tradicional consiste na construção conjunta das linhas de ação, a partir de visitas a comunidades de matriz africana. “Promovemosvivências para alinhamento estratégico teórico metodológico e territorial”, conta Dall Alba. O colaborador do ObservaPICS deixa nítido que a ideia “é possibilitar aos pesquisadores experimentarem a vida coletiva constituída numa unidade territorial tradicional de matriz africana”. Assim, justifica, “todas as ações podem ser vistas a partir das tecnologias sociais e coletivas dentro da cosmologia tradicional de matriz africana”.
Foram visitadas nessa fase prévia duas comunidades (foto/ObservaPICS). Uma delas foi a unidade territorial tradicional O Ilê Dan Orun Axé Opô Inlê, que tem como autoridade Iyá Alda Aparecida Ramos e está localizada em Paranoá (região administrativa do Distrito Federal). Representantes do ObservaPICS e do Fonsanpotma foram acolhidos pelo grupo e entrevistaram Iyá Alda, que declarou ter visitado Oió (Oyo, em iorubá), no Sudoeste da Nigéria, descreveu seu processo de reconhecimento como líder religiosa feminina (yalodê) e a vivência com os médicos tradicionais africanos.
O segundo território tradicional visitado foi Tumba Inzo A’na Nzambi, no município de Águas Lindas, em Goiás. A presença dos pesquisadores do ObservaPICS e do Fonsanpotma coincidiu com a comemoração dos 27 anos de iniciação da autoridade máxima desse lugar, Tata Ngunzetala, e com a exposição fotográfica de vivência em Angola, organizadas pela comunidade, prestigiada por representantes da Embaixada daquele país no Brasil e autoridades tradicionais. “Tais atividades foram essenciais para o embasamento do planejamento estratégico da pesquisa, para coesão do grupo de atores e pesquisadores, assim como para pensar em dispositivos metodológicos sensíveis para sistematizar a riqueza do contexto dos territórios tradicionais”, avalia Rafael Dall Alba.