A pesquisadora da Fiocruz Pernambuco Islândia Carvalho, coordenadora do Observatório Nacional de Saberes e Práticas Tradicionais, Integrativas e Complementares em Saúde (ObservaPICS), chamou a atenção nesta quarta-feira (29/09) para a importância do controle social na implantação, monitoramento e avanços na Política Nacional de PICS (PNPIC). No Painel 15 anos da PNPIC: o que conquistamos e o que ainda podemos avançar?, realizado durante o 1º Seminário Nacional sobre PICS, promovido pelo Conselho Nacional de Saúde, ela destacou: “A construção de uma política não se dá na velocidade que gostaríamos, principalmente se ela é uma construção democrática. Ela tem que ser debatida, é um processo contínuo. A PNPIC não está finalizada, não alcançou as metas programadas, está em implantação. Às vezes dizemos que ela avançou, mas é preciso se perguntar em que avançou, quais os desafios presentes e elaborar a agenda do futuro”.
Para Islândia Carvalho, a PNPIC avançou pouco e precisa vencer diferentes desafios. Lembrou que as conferências de saúde e todos os fóruns de controle social do SUS devem pautar as PICS nas suas discussões para avaliar como a comunidade está acessando o atendimento, assim como fazer uma análise crítica acerca das práticas individualmente, se elas estão focalizando o autocuidado, se preconizam a proposta integrativa do SUS e se podem ser oferecidas com qualidade no sistema. “Todos os desafios passam pelo controle social. Foi assim na criação da política, nos embates até para a escolha da denominação como PICS, e devem permanecer pautados entre os segmentos do sistema de saúde que fazem esse controle ”.
A pesquisadora da Fiocruz que desenvolve estudos sobre diferentes aspectos da PNPIC, situou que a presença das práticas integrativas estava preconizada há 30 anos, na criação do Sistema Único de Saúde, quando se defendia um sistema integral de cuidados e o conceito de promoção da saúde mais centrado na pessoa do que na doença. As discussões nos fóruns sociais para implantação da política foram reforçadas ao longo dos últimos 15 anos, com as demandas populares em favor das PICS cada vez mais presentes nas conferências municipais, estaduais e nacionais, lembrou Islândia.
“As pesquisas que fazemos junto ao SUS mostram que as práticas integrativas oferecidas na Atenção Primária em Saúde ou num hospital dependem mais dos profissionais da rede do que de uma ação municipal. Quando o trabalhador que faz o atendimento deixa o serviço, a prática integrativa é suspensa”, relatou a coordenadora do ObservaPICS, alertando para a necessidade de se ter uma oferta como política do sistema de saúde.
ADESÃO DE 61,7% DA POPULAÇÃO
Apesar das dificuldades de acesso e dos conflitos de interesses no SUS, desafiadores à PNPIC, Islândia mostrou que a sociedade cada vez mais busca formas de cuidado além da proposta pela biomedicina. Um exemplo disso é a constatação, segundo ela, da pesquisa PICCovid, realizada numa parceria do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), também da Fiocruz, com o ObservaPICS e a Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP/Unifase). O estudo ouviu brasileiros de todas as regiões do país sobre o uso das PICS durante o primeiro ano da pandemia de Covid-19. Apontou que 61,7% dos ouvidos fizeram uso complementar de uma ou mais práticas, destacando-se a meditação e a fitoterapia, para aliviar o estresse do isolamento social, reforçar o sistema de defesa do organismo ou atenuar sintomas leves de problemas respiratórios.
“Todos os inquéritos da Pesquisa Nacional de Saúde realizados nos últimos anos colocavam o uso das PICS com índices baixos entre os usuários, de 4% a 7% da população. Quando a PICCOvid aplicou um novo modelo de consulta, listando as 29 práticas reconhecidas no SUS para que os ouvidos assinalassem as que estavam em sua rotina, mostrou que a adesão é muito maior”, explicou a pesquisadora. A proporção de 61,7% de usuários de práticas integrativas pode até estar sobrestimado, em razão do contexto da pandemia de Covid, mas mostra, segundo Islândia, que a escolha terapêutica deve ser melhor discutida na sociedade.
O preconceito com as PICS ainda é muito grande, com problemas de interlocução entre os profissionais de saúde e a população, alega a coordenadora do observatório da Fiocruz. As cobranças por evidências científicas em torno das PICS muitas vezes são sem cabimento porque partem de uma visão biomédica quando as práticas precisam ser avaliadas a partir de outras racionalidades, explicou. Além disso, o ObservaPICS e outras plataformas têm divulgado o crescente número de estudos produzidos por cientistas brasileiros e em outros países atestando para os resultados positivos das práticas em diferentes situações de adoecimento e promoção da saúde. Há também experiências bem-sucedidas no SUS acompanhadas por pesquisadores e especialistas em políticas de saúde. Islândia, entretanto, afirma que deve-se perseguir a qualidade da oferta, combater informações falsas, duvidosas e de interesses comerciais e particulares em defesa de práticas que não deveriam ser nomeadas como integrativas.
“É preciso ter na política o respeito à cultura brasileira, à biodiversidade e aos saberes populares e indígenas. Como vão dialogar ? Cada etnia traz uma sabedoria. Há 29 práticas no SUS, mas todas podem ser caracterizadas como PICS ? Elas dão acesso para o usuário a uma nova forma de cuidar da saúde com autonomia? Temos que pensar as práticas no SUS em sinergia com o SUS e responder se realmente dá para expandir esse atendimento”, explicou, destacando a necessidade de qualificar o cuidado, oferecer formação aos trabalhadores do SUS e criar consciência crítica no terapeuta, para que fique atento aos limites e dificuldades e não reproduzam nas PICS um comportamento da biomedicina onde o usuário não faz suas escolhas e o cuidador toma decisão por ele. “O homem não está separado do todo. Respiramos o mesmo ar e bebemos a mesma água. Que contribuição cada PICS faz para pensarmos no todo homem natureza e na saúde ao invés da doença ?”, indaga, provocando mais reflexões.