Cartografia dá visibilidade a modelos de cultivo e oferta de plantas medicinais
O lançamento do Relatório da Pesquisa Cartografia da fitoterapia no SUS: dos itinerários do fazer às alianças do saber, realizado de forma virtual, no dia 2 de junho deste ano, com transmissão pelo Canal do ObservaPICS no Youtube, promoveu debate e reflexões sobre os diferentes modelos de cultivo e oferta de plantas medicinais na saúde pública, como também acerca das formas de estudar cientificamente o tema de forma participativa com a comunidade no território observado.
“Quando começamos a pensar a pesquisa, em tempos pandêmicos, não sabíamos se seria possível ir a campo, mas conseguimos. Nosso relato é descritivo, numa perspectiva decolonial do cuidado”, explicou Islândia Carvalho, coordenadora do ObservaPICS e que assina o relatório com Pedro Carlessi, doutorando do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade de São Paulo (USP).
Carlessi iniciou a coleta de dados, com ajuda do ObservaPICS, em consulta a sistemas de informação do SUS e a gestores estaduais e municipais. Na sequência, iniciou a visita a uma amostra de serviços de saúde e comunidades atendidas em diferentes regiões do Brasil.
“Demos o nome de cartografia pelo intento de percorrer alguns territórios do Brasil, conversando com pessoas que estão na linha de frente, sobretudo na Atenção Primária à Saúde (APS), trabalhando com a fitoterapia. Nossa tentativa foi no sentido de fazer a cartografia de serviços que estão caminhando, estão vivos, acontecendo a todo momento. Não estamos olhando para um cenário estático e fazendo uma descrição dele. Muito pelo contrário. Uma marca importante de cartografar o que temos de fitoterapia no SUS foi a possibilidade de perceber o quão vivo esses serviços estão”, observou o pesquisador. Carlessi lembrou que por ter sido feito no período de pandemia de Covid-19, o trabalho exigiu atender condicionantes sanitários. “Não inviabilizou a realização. A vida que existia no território foi um motor para que a pesquisa acontecesse. Grande parte contou com a participação ativa das pessoas com quem conversávamos. Apesar do desmonte em unidades do SUS durante a pandemia, com relocação de equipe para a linha de frente da Covid-19, a fitoterapia se mostrou viva e tem dado vida apara outros serviços”, comentou.
Quanto aos modelos de fitoterapia existentes no país, Pedro Carlessi lembrou que havia uma ideia preconcebida da existência de uma única forma de trabalho. “Conforme a gente foi avançando, as pessoas começavam a mostrar especificidades nos seus territórios. Existem preciosidades, assim como são as plantas, as pessoas e o cuidado. O próprio termo Farmácias Vivas ganhou contextos e gerou um entrave em relação ao que é definido na legislação do SUS, pois na prática congrega muita diversidade. Como seria possível agregar as diferenças?”, argumenta. Cabe ao Estado dar conta de mecanismos que favoreçam a diversidade de organizações, completa Carlessi. “Compete a nós pensar nas possibilidades, de reconstruir a forma de pensar esses cuidados. A fitoterapia, como é vivenciada no Brasil, nos ajuda a elaborar formas de pensar o cuidado com a saúde.”
Programa estadual apoia municípios
Kallyne Bezerra (à esquerda na foto abaixo), da Secretaria de Saúde do Maranhão, coordena a implantação de Farmácias Vivas. Iniciado há seis anos, o projeto se transformou num programa, alcançando 189 dos 217 municípios. “Atuamos em parceria com as prefeituras e com apoio de outras secretarias do Estado, como a de Agricultura Familiar, Educação e Desenvolvimento Social. O governo estadual entra com a capacitação, o município faz o horto, providencia a legislação, contrata o farmacêutico e assume as despesas”, contou durante a live do ObservaPICS.
No município de Itapecuru Mirim (MA) funciona um Centro de Assistência em Saúde Integrativa, Plantas Medicinais e Farmácia Viva. Segundo Kallyne Bezerra, a intenção é criar um selo Farmácia Viva, certificando outros serviços do SUS para as prescrições de plantas medicinais, óleos essenciais e fitoterapia. A experiência no Maranhão inclui o trabalho com quilombolas, povos de terreiros e indígenas. “Nosso trabalho é ciência com respeito à ancestralidade, agregando o saber popular.”, reforça a representante da Secretaria Estadual de Saúde.
Segundo Kallyne, no início do trabalho ela era vista como “a louquinha das plantas”. “À medida em que fui atendendo os pacientes, fazendo a evolução nos prontuários sobre uso de plantas medicinais e até a remoção de plantas que o usuário fazia por conta própria, ganhei credibilidade. Hoje sou respeitada pelos demais profissionais.”
Dentre as experiências com plantas medicinais, ela cita trabalhos com folhas de alface crespa para cuidar da saúde mental, assim como alecrim para hipertensos, casca da laranja do mato para colite e a folha da azeitona roxa para diabetes.
Agricultura familiar
Ana Prade, da Secretaria Municipal de São Bento do Sul, em Santa Catarina, relata que o cultivo de plantas medicinais no território envolve parcerias com outros setores. “No município existe um programa de pagamento por serviços ambientais, contemplando propriedades de pequenos agricultores que preservam a nascente do rio com plantio de espécies da mata ciliar. Quando vimos a possibilidade de inserir espécies arbóreas, espinheira santa e pata de vaca, passamos a comprar desses agricultores. Cultivar espécies da Farmácia Viva faz parte do índice de valoração do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA)”.
Protocolos Clínicos
Para a farmacêutica Jaqueline Guimarães, que atuou na implantação de Farmácia Viva em Betim (Minas Gerais) e participa da criação da Associação Brasileira de Farmácias Vivas, “não adianta a oferta terapêutica de plantas medicinais sem a capacitação para adesão clínica. Tem que construir protocolos clínicos, amparando a prescrição dos profissionais de saúde, assim eles se sentem mais seguros”.
Segundo ela, a Associação Brasileira de Farmácias Vivas (ABFV) é uma entidade civil de direito privado que oferece serviços de assessoramento, consultoria, capacitação e de pesquisa para pessoas físicas ou jurídicas, do setor público, filantrópico sem fins lucrativos, organizações não governamentais, representações de movimentos sociais, agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais ou mediante celebração de contratos ou convênios com o setor privado. “Auxilia na criação, planejamento, manutenção e avaliação de programas e projetos com plantas medicinais e produtos fitoterápicos, alinhados com as diretrizes das Políticas Nacionais de Plantas Medicinais e Fitoterápicos e de Práticas Integrativas e Complementares”, diz Jaqueline.
A ABFV foi constituída em maio de 2021. Dedica-se, no momento, “à elaboração de uma proposta de Projeto de Lei, que faça ajustes na Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa (RDC) 18/2013, de forma a incorporar a essa legislação outras modalidades de serviços de fitoterapia público”, informa Jaqueline. A associação busca a integração com herbários oficiais e instituições agrícolas governamentais, a fim de facilitar o acesso a mudas e sementes qualificadas, como também às tecnologias de cultivo de plantas medicinais. Outro empenho da entidade é pela “qualificação de fornecedores de insumos farmacêuticos para auxiliar as Farmácias Vivas e a atuação junto à comunidade e demais atores associados à cadeia produtiva, no sentido de promover o uso correto e seguro das plantas medicinais e fitoterápicos garantindo melhor qualidade de vida ao ser humano”, explica Jaqueline.