A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do SUS (PNPIC) foi tema da roda de conversa promovida pela Tenda de Cuidados Integrais montada no 9º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde (CSHS), na manhã de quinta-feira (2/11), no campus da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no Recife. Pesquisadores, profissionais de saúde, representantes de movimentos sociais, usuários do SUS e estudantes de graduação e pós-graduação trocaram impressões e ideias sobre a necessidade de pensar o cuidado em saúde para além das intervenções biomédicas.

            O que o usuário deseja receber como cuidado na unidade de saúde e na sua comunidade? Como deve ser o diálogo do SUS com os saberes populares e de povos tradicionais? De que forma a política de Pics precisa ser conduzida para que tenha visibilidade, apoio institucional, financeiro, dos trabalhadores da saúde e da comunidade? Como descontruir conceitos que fizeram a sociedade valorizar a excessiva medicalização e desconsiderar a medicina milenar indígena e de outras tradições? O que o profissional de saúde qualificado em Pics pode fazer no seu espaço de trabalho ? Como as Pics podem atuar na saúde mental? Essas e outras questões permearam a conversa iniciada às 9h e que se estendeu para além das 11h.

Islândia Carvalho em roda de conversa na Tenda do Cuidado no 9º CSHS

Islândia Carvalho em roda de conversa na Tenda do Cuidado no 9º CSHS

               “A PNPIC nos dá a oportunidade de discutir o que queremos como cuidado. A política foi criada há 17 anos e vem passando por renovações. Inclui hoje 29 práticas, a maioria originada fora do Brasil”, observou a pesquisadora Islândia Carvalho, da Fiocruz Pernambuco e coordenadora do Observatório Nacional de Saberes e Práticas Tradicionais, Integrativas e Complementares em Saúde (ObservaPics/Fiocruz). Dentre as práticas estão as da Medicina Tradicional Chinesa (acupuntura, automassagem, tai chi chuan) e da Medicina Tradicional Indiana, homeopatia, fitoterapia, biodança, arteterapia, entre outras.

            Islândia explicou que embora incluam cuidados físicos, as Pics vão além do corpo, levando em conta sentimentos e emoções. “Meu corpo não está separado do que eu sinto, posso adoecer em razão disso. As práticas integrativas consideram isso e a ideia de que o homem e a natureza estão interligados e são coexistentes. O homem é uma expressão da natureza, não o dominador da Terra como alguns pensam equivocadamente”, avaliou Islândia.

                  Valorizar a cultura do cuidado em casa, na comunidade e na unidade de saúde é importante, na opinião da pesquisadora, para promover saúde. “Quando vai a um serviço do SUS o usuário pode ser acolhido ouvindo uma palestra, música, praticar lian gong enquanto espera pelo atendimento médico?” , questiona a pesquisadora. Há unidades públicas, lembra, que oferecem Pics na sala de espera da consulta, como a  reflexologia, por exemplo.

            “Não existe apenas a intervenção biomédica. Há outras formas de cuidado com experimentação milenar. A ciência é um caminho importante para analisar os medicamentos, e sua a efetividade. Mas não pode desconsiderar outras formas de cuidar da saúde. Quantas  vezes povos tradicionais experimentaram técnicas e substâncias até chegar a uma forma que funcionou melhor? É preciso estabelecer um diálogo entre o mundo científico e o conhecimento dos povos, entender de que jeito o saber herdado entre gerações pode funcionar em outro local e movimento”, destacou. No ObservaPics, são observadas as experiências práticas nos serviços de saúde.

CONHECIMENTO ANCESTRAL

                   Para Jeandro Santos, médico de família e comunidade, militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra(MST), é importante respeitar o que cada comunidade herda de suas tradicionais para valorizar a prática que mais se adequa ao seu meio. “Em nossas marchas e eventos temos um espaço de saúde no qual exercitamos práticas como escalda-pés, rezas e terapias integrativas. Esses momentos funcionam também para a formação”, exemplifica. A abertura de um espaço no Congresso Brasileiro de Saúde Humana e Social foi bem avaliada por ele. Sobre a iniciativa, disse:“ É fundamental, maravilhoso e deve permanecer. Mostramos que esses cuidados são simples, mas com uma complexidade no cuidado”.

Ubiraci Pataxó no 9º CSHS

Ubiraci Pataxó no 9º CSHS / ObservaPICS

            Ubiraci Pataxó, da Aldeia Coroa Vermelha (Bahia), licenciado em ciências da natureza, terapeuta indígena e autodefinido como “aprendiz de pajé”, também esteve na tenda. “Devemos nos fortalecer, fazer mais encontros, mostrar a nossa medicina e o quanto somos valiosos. Está na hora de decolonizar o pensamento, descatequizar as ideias, retirar determinadas ideias cristãs religiosas.

            João Paiva, coordenador das Pics no Recife, lembrou que cada pessoa tem seu referencial de cuidado e questionou se o termo “práticas integrativas” não ajuda a restringir as formas de cuidado, excluindo, por exemplo, as medicinas tradicionais. Além de contar com dois centros de referência em Pics, a rede municipal tem associado essa assistência a outras unidades, com experiência em curso em Centro de Atenção Psicossocial. No SUS, as práticas integrativas são complementares ao tratamento biomédico.

João Paiva, gestor das Pics no Recife /ObservaPICS

João Paiva, gestor das Pics no Recife /ObservaPICS