Qual é a despesa do Sistema Único de Saúde (SUS) por ano com as Práticas Integrativas e Complementares (PICS)? Vez ou outra, mensagens por rede social e conteúdos divulgados em grande mídia trazem informações distorcidas sobre o tema. Uma revista de circulação nacional chegou a afirmar no inicio de 2019 que o o gasto era de R$ 17 bilhões com práticas sem evidência, citando homeopatia, aromaterapia, bioenergética, florais, por exemplo. Insinuou ainda uma aproximação entre as PICS  e o movimento antivacinas.

O Observa PICS esclarece, com base em informações do Ministério da Saúde, que o valor anual  investido no SUS com PICS não chega a R$ 3 milhões, o que corresponde a 0,008% das despesas com todos os procedimentos ambulatoriais e hospitalares.

Islândia Carvalho estuda o orçamento da saúde no Brasil. Foto: Divulgação/ObservaPICS

 

A pesquisadora Islândia Carvalho, membro deste Observatório, publicou artigo em dezembro de 2018, na Rede PICS, acerca da economia da saúde e dos investimentos em PICS. Leia o texto na íntegra:

 

As PICS e o financiamento do SUS

*Islândia Carvalho

O financiamento das ações e serviços de saúde no SUS sempre foi um desafio. Diante de recursos tão escassos e distantes do patamar ideal, a realidade tende a se agravar ainda mais, dado que foi aprovado no Congresso Nacional o congelamento por 20 anos do incremento nas verbas para o setor. Na verdade, em nenhum momento da implantação do sistema este recebeu o financiamento devido para garantir a saúde como um direito e dever do Estado, algo estabelecido pela Constituição Federal. Dada a informação, é importante analisar que a alocação dos recursos para o financiamento do SUS está diretamente ligada ao modelo de cuidado.

O modelo vigente
A estratégia intervencionista e hospitalocêntrica ainda é forte e hegemônica no Brasil. A pressão para o uso de tecnologias de alta densidade, que requerem altos investimentos financeiros sem, no entanto, trazer grandes impactos nos indicadores, é exercida através da prática de lobby, seja nos corredores da política nacional, seja nos corredores de hospitais, UBS e outros locais. De todo modo, já é algo arraigado na cultura geral a ilusão de que quanto mais tecnologia, exames e remédios, mais saúde se proporciona.

Por outro lado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que os sistemas de saúde mais eficientes são os modelos que atuam na promoção da saúde, na prevenção de doenças e no cuidado às condições crônicas. Leia-se também eficiência de gestão financeira.

É por esse caminho que entendemos o porquê de investir em Práticas Integrativas e Complementares. O fato é que a maioria das demandas que chegam nos serviços, principalmente na atenção primária (APS), podem se beneficiar com as ações de promoção da saúde, entre elas as PICS, como as usadas para aplacar dores crônicas, hipertensão arterial, diabetes, ansiedade, depressão e até alguns tipos de câncer. Outro ponto, é que grande parte da população chega às unidades básicas de saúde com o que chamamos de sofrimento difuso, um quadro com diferentes queixas tanto emocionais quanto físicas, em que não se consegue delinear um diagnóstico apenas com a abordagem biomédica, e requerem um cuidado integral. Nesse sentido, é importante que existam estratégias para intervir no sintoma físico sim, mas também no emocional.

Custos
Os blocos de financiamento do SUS são: Atenção Básica, Média e Alta, Assistência Farmacêutica, Gestão do SUS, Vigilância em Saúde e Investimentos, totalizando, em 2017, 120,36 bilhões. Diferente de outras políticas do Ministério da Saúde, as PICS não possuem um financiamento específico para sua implementação. Apenas alguns procedimentos de PICS são pagos pelo bloco de Média e Alta e, como exceção, o Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos que, dentro do bloco Assistência Farmacêutica, utilizou naquele ano o valor de 3.14 milhões de reais.
 Os estudos que temos realizado, principalmente em atendimentos especializados, demonstram que a relação entre o investimento e a efetividade das PICS é de muito bom retorno, visto que uma consulta em PICS não costuma gerar outras demandas na sequência. Ou seja, normalmente o terapeuta consegue resolver a maioria dos casos sem precisar enviar para outros especialistas ou realizar novos exames, o que geraria mais gastos e estresse aos usuários do SUS.

Comparativos
Dos R$ 33 bilhões  repassados pelo governo federal para pagamento dos procedimentos ambulatoriais e hospitalares, os maiores gastos são com: tratamentos clínicos (R$ 5,3 bilhões); consultas, atendimentos, acompanhamentos (R$ 4,2 bilhões); e tratamento em nefrologia (R$ 3 bilhões). Lá embaixo estão os gastos com procedimentos de PICS: apenas R$ 0,0026 bilhões, ou seja, R$ 2,6 milhões.
Assim, os gastos do SUS com procedimentos específicos de PICS correspondem à 0,008% de todos os procedimentos ambulatoriais e hospitalares. Nada grandioso ou algo que possa ser considerado um “ralo”, como dizem.

Um outro dado comparativo e ilustrativo é o dos gastos com diagnósticos por tomografia e ressonância magnética no sistema público, que somam R$ 884,2 milhões. Esses procedimentos são repassados pelo Governo Federal para estados e municípios, pelo Bloco de Média e Alta Complexidade (dentro daquele valor de 33 bilhões – dados de 2017). O próprio Ministério da Saúde estima que 80% destes exames são solicitados sem necessidade. A economia de 707 milhões de reais, poderia ampliar o repasse para os procedimentos de PICS em 272 vezes, e em 207 vezes o orçamento gasto com a Política de Plantas Medicinais, além de outras áreas igualmente carentes.

Para reforçar, além de representar uma parcela ínfima do orçamento repassado pelo governo federal, a implantação das PICS nos municípios tem registrado diminuição no uso de analgésicos, anti-inflamatórios e encaminhamentos para exames de alta complexidade, ou seja, promove economia nas unidades de saúde, além de melhorias na qualidade de vida da população beneficiada.

Pode-se concluir que o argumento de que as PICS são desperdício de dinheiro não se sustenta, tanto pela eficácia dos serviços, tratando dores emocionais e físicas para gerar maior qualidade de vida para os pacientes, quanto pelos valores investidos. Acreditar e fazer crer que a implantação das PICS no SUS está retirando recursos de outras ações estratégicas é fruto de desconhecimento do orçamento do sistema ou de má fé de quem espalha tais inverdades.

* Islândia Carvalho é mestre e doutora em saúde pública,  pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães e vice-líder do Grupo de Pesquisa em Economia Politica da Saúde (UFPE). Coordena o Grupo de Pesquisas Saberes e Práticas em Saúde (Fiocruz-PE) e dirige a Associação Brasileira de Economia da Saúde. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Economia e Financiamento em Saúde, Racionalidades Medicas, Medicinas e Práticas Alternativas, Integrativas e Complementares. Está na coordenação do ObservaPICS.

Fontes: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02
http://aplicacao.saude.gov.br/portaltransparencia/index.jsf